“O assassinato é um crime de amador. Eu estou falando, é lógico, do tipo de crime em que você está pensando... não em quadrilhas organizadas. A gente muitas vezes sente que esses sujeitos simpáticos foram surpreendidos pelo crime quase acidentalmente. Ou eles estavam na miséria, ou queriam algo com todas as forças, dinheiro ou uma mulher, e mataram para conseguir isto... O freio que age conosco não age com eles. Uma criança, você sabe, transfere o desejo em ação sem nenhum remorso.
Uma criança zangada com seu gatinho diz: “Eu mato você” e bate-lhe na cabeça com um martelo... e depois morre de chorar porque o gatinho não fica vivo outra vez! Uma porção de crianças tenta tirar o bebê do berço para “afogá-lo”, por que ele usurpa atenção... ou interfere em seus prazeres. Elas chegam, muito cedo felizmente, a um estágio em que sabem que isso é “errado”, isto é, que se fizerem isso serão castigadas. Depois, começam a perceber que isso ê errado. Mas algumas pessoas, eu penso, permanecem moralmente imaturas.
Continuam a considerar que o crime é errado mas não sentem isso. Eu não penso, com minha experiência, que qualquer assassino tenha realmente sentido remorsos... E isto talvez seja a marca de Caim... Assassinos são classificados à parte, eles são “diferentes”... o crime é errado mas não para eles, nem quando é “necessário”... a vítima “pediu isto”, era a “única maneira”.”
Agatha Christie
Com o lançamento do filme esse ano, me pareceu a chance de ler esse livro, que estava aqui no box aguardando a vez dele.
É uma das poucas obras da Agatha (já sou íntimo) que não tem nem Poirot, nem Miss Marple. Nem por isso é menos interessante.
“Nos arredores de Londres há uma mansão com uma inusitada característica - ela é torta. É ali que o milionário octogenário Aristide Leonides mora com a esposa, cinquenta anos mais jovem, além de filhos, noras, netos e uma cunhada, irmã da primeira mulher. Quando a polícia descobre que o patriarca foi envenenado, todos os habitantes da casa se tornam suspeitos, e a discórdia passa a imperar entre os membros da família - sobretudo, olhares desconfiados recaem sobre a jovem viúva. A neta mais velha de Aristide, Sophia, junta-se ao namorado para tentar chegar ao fundo do mistério sobre a morte do avô.”
O livro, apesar dessa diferença que eu mencionei antes, segue a fórmula de Agatha Christie: aristocracia, preconceitos de classe e nacionalidades, amores impossíveis, todos são suspeitos, todos têm motivos, todos têm oportunidades, apenas um de fato cometeu o crime, por conta de um detalhe que talvez não tenhamos prestado atenção.
Nesse caso, há várias digressões sobre a natureza do criminoso de homicídio, de modo, que temos uma Agatha Christie mais analítica para justificar a escolha de seu assassino e seus motivos. E, de fato, é um desfecho incomum em sua obra.
É um excelente livro e certamente não esquecerei dele. Claro que dos personagens cliché eu esquecerei, mas da trama e do assassino não tem como deixar pra lá.
Agora, o motivo de ler um livro que certamente se esgota em um dia é um filme. Bora?
Filme: A Casa Torta (Crooked House)
Nota: 9
Elenco: Glenn Close (e o resto é resto)
Ano: 2017
Direção: Gilles Paquet-Brenner
Tem saído tanta coisa inspirada em obras de Agatha Christie, que está difícil de acompanhar. Mas quando você vê um filme que tem a Glenn Close no elenco, não dá pra deixar passar.
Coube a ela o papel da personagem Lady Edith de Haviland, que acaba ganhando mais destaque na história do meio para o final. Nem preciso falar nada sobre a qualidade da atuação dessa grande atriz.
É um excelente filme. Mais um retrato cinematográfico do livro, aliás. Não há grandes liberdades no roteiro, embora tenha uma mudança aqui e outra ali. Nada que incomode.
De modo geral, é um excelente filme de suspense, no estilo aristocrático dos meados do século XX, do jeito que a Agatha Christie nos faz gostar tanto.
Recomendo muito.
FDL