Com o final das séries que eu assisto sem deixar pra depois, começa a época em que eu vejo mais filmes ou qualquer programação que eu resolvi postergar.
O Canto da Sereia me chamou a atenção com a minissérie que a Globo exibiu em janeiro. Mas eu soube que era inspirada em um livro de Nelson Motta. Desse modo, deixei pra ver depois, quando conseguisse ler o livro. Para isso faltou tempo e também a possibilidade de encontrar aquele epub esperto pelas internets da vida.
Comecemos pelo livro:
O Canto da Sereia: Um Noir Baiano – Nelson Motta.
“Sim, Sereia era o seu nome verdadeiro, ela foi batizada como Sereia Maria de Oliveira, uma promessa de sua mãe para Iemanjá, que lhe apareceu em um sonho dizendo que a menina que esperava teria cabelos de ouro e olhos de mel, seria bonita, rica e famosa, e se chamaria Sereia. Quando a menina nasceu, ela consultou sua mãe-de-santo, que jogou os búzios várias vezes e confirmou que Sereia conquistaria a fama e a fortuna, mas não seria feliz por muito tempo”
O título já tem essa característica, de se tratar de um noir baiano. Isso é bem interessante porque já sugere uma mistura incompatível. No entanto, tem coisa mais brasileira do que isso? Essas misturas improváveis que dão ao nosso país essa cara própria ficam claras nisso.
Esse livro de um lado mostra o mistério de um assassinato que parou a Bahia e o país e de outro revela a importância do Carnaval para o povo baiano, com toda a sua cultura rica e própria.
Sereia é uma cantora famosa na Bahia, que conquistou fama em pouco tempo em todo o país. No Carnaval, durante uma música no trio elétrico, é atingida por um tiro fatal, no meio de todos. Segundo o próprio autor, somente um fato assim para parar o Carnaval baiano.
O livro é narrado por Augustão, que é chefe de segurança de Sereia e também investigador e jornalista. Investiga o caso por conta própria por saber que muitos segredos do ramo seriam ocultados da Polícia e por não conseguir dizer não à empresária de Sereia, Mara.
Durante toda a narrativa, que não é longa, Augustão vive narrando o meio artístico com seus luxos e excentricidades e toda a cultura própria dos baianos que envolvem Sereia: o candomblé, a cidade, os poderes políticos e a linguagem universal: morte e dinheiro.
Gostei muito desse livro. Talvez Augustão seja um dos melhores personagens brasileiros que vejo em muito tempo. Ele investiga durante o dia e no seu escritório fuma um beck pra relaxar na sua rede, que fica no seu escritório.
O mundo do candomblé é retratado com muita atenção, revelando sua importância para o povo e o seu poder tanto entre os pobres quanto entre os ricos. A personagem Mãe Marina é muito interessante, prestei muita atenção nela.
O final também é muito bom, colocando em panorama todas as fragilidades dos personagens e um desfecho incomum, mas muito bonito.
Esse livro me marcou, gostei muito dele.
O Canto da Sereia.
É um dos raros casos em que a obra audiovisual supera a literatura. Embora Nelson Motta tenha criado uma história impecável, sua narração foi aprimorada na televisão, não tenho a menor dúvida.
O final do seriado é diferente, com um personagem que não existe no livro, mas que veio para engrandecer a história e deixa-la ainda melhor, sem perder a essência.
Nunca achei a Isis Valverde uma grande atriz, sendo muitas vezes caricata. Mas não posso negar que ela ficou perfeita interpretando Sereia. Parece que o papel foi feito para ela – até mesmo porque uma musa do axé tem seus exageros de fato. A mulher até cantou direitinho!
Marcos Palmeira como Augustão, Camila Morgado como Mara e Fabiula Nascimento como Mãe Marina completam o time afiado de atores perfeitos para seus personagens.
Os temas fortes, como ladroagem política, violência com sangue e homossexualidade não foram poupados. Aliás, o livro nem dá tanto destaque assim à política como a minissérie fez.
O clima da Bahia, todas as suas especificidades e uma festa que a faz famosa foram retratados no ambiente de uma investigação criminal. Foi uma ideia de gênio. Fez ainda ser produzida uma das melhores minisséries que a Globo já fez.
Recomendo tudo: livro, série e qualquer outra coisa que sair.
FDL