segunda-feira, 9 de abril de 2018

A Queda – Albert Camus

camus a queda“Mas, enfim, eu estava do lado certo, isso bastava para a paz de minha consciência. O sentimento do direito, a satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios são, meu caro senhor, impulsos poderosos para nos manter de pé ou nos fazer avançar. Pelo contrário, privar os homens desses impulsos implica transformá-los em cães raivosos. Quantos crimes cometidos simplesmente porque seu autor não podia suportar o fato de estar errado! Conheci, em outros tempos, um industrial que tinha uma mulher perfeita, admirada por todos e que, no entanto, ele traía. Esse homem ficava literalmente raivoso ao se descobrir culpado, na impossibilidade de receber, ou de passar a si próprio, uma certidão de virtude.

Quanto mais a mulher se mostrava perfeita, mais ele se enraivecia. Finalmente, seu erro se tornou insuportável. Que pensa que fez então? Deixou de enganá-la? Não. Matou-a. Foi desse modo que travei conhecimento com ele.”

Albert Camus

Há alguns anos eu li O Estrangeiro e A Peste e acabei gostando muito da escrita de Camus. Ele é direto, sem muita enrolação e com posições certeiras, com as quais eu concordei várias vezes.

Me deparei com um relançamento interessante da sua obra pela editora Record e acabei adquirindo alguns para a minha coleção, inclusive os que eu já li, pois acho que valem uma releitura no futuro. Acabei pegando A Queda no pacote por conta da sinopse e do conteúdo.

Confesso que não conheço muito bem a obra dele do ponto de vista da crítica literária, com análises mais profundas. Talvez no caso dele valha um aprofundamento. De todo modo, esse livro apesar de ter uma pegada um pouco diferente dos outros dois, é tão bom quanto, senão mais.

Eu acabei lendo agora nas férias, em um dia de passeio por agradáveis praias e o resultado foi que acabei terminando inteiro em um dia só. Como é uma obra de reflexões, várias delas me atingiram em cheio e meu livrinho acabou ficando cheio de marcações. A da epígrafe foi minha preferida. Mas deixo mais uma aqui para mostrar que esse negocinho é invocado.

“Sobretudo, não acredite em seus amigos, quando lhe pedirem que seja sincero com eles.

Só anseiam que alguém os mantenha no bom conceito que fazem de si próprios, ao lhes fornecer uma certeza suplementar, que extrairão de sua promessa de sinceridade. Como poderia a sinceridade ser uma condição da amizade? O gosto pela verdade a qualquer preço é uma paixão que nada poupa e a que nada resiste. É um vício, às vezes um conforto, ou um egoísmo.

Portanto, se o senhor se encontrar neste caso, não hesite: prometa ser verdadeiro e minta o melhor que puder. Atenderá ao profundo desejo deles e provará duplamente sua afeição.

Tanto isso é verdade que raramente nos abrimos com quem é melhor do que nós. De preferência, fugimos a esse convívio. Na maioria das vezes, pelo contrário, confessamo-nos aos que se parecem conosco e que partilham de nossas fraquezas. Não desejamos, pois, nos corrigir; nem melhorar: seria preciso, antes de tudo, que fôssemos julgados fracos. Apenas desejamos ser lastimados e encorajados em nosso caminho.”

A Queda tem um pouquinho de história. Trata-se de um famoso advogado francês que parece ter vivido o auge de sua profissão, mas passou por algum momento que fez mudar sua postura. Agora vive em Amsterdã nos bares conversando e refletindo sobre a profissão e a vida.

Nesse livro ele conversa não se sabe com quem. Isso ocorre porque os diálogos são suprimidos e não há voz do interlocutor. Há muito assunto relacionado à profissão do advogado, sobretudo em relação à culpa que o ser humano sente. Esse assunto foi tratado em O Estrangeiro. Esse trecho do livro é muito bom:

“Eis o que nenhum homem (exceto os que não vivem, quero dizer, os sábios) consegue suportar. A única defesa está na maldade. As pessoas apressam-se, então, a julgar, para elas próprias não serem julgadas. Que quer? A ideia mais natural para o homem, a que lhe surge ingenuamente, como no fundo de sua natureza, é a ideia de sua inocência. Sob esse aspecto, somos todos como aquele francesinho que, em Buchenwald, teimava em querer apresentar uma reclamação ao escrivão, prisioneiro como ele, que registrava sua chegada. Uma reclamação? O escrivão e seus colegas riam: "Inútil, meu velho. Aqui, não se reclama." "Mas, veja bem, meu senhor", dizia o francesinho, "meu caso é excepcional. Sou inocente!"”

Acredito que não tem jeito, vou ter que comprar essa obra toda e vou acabar lendo mais desse autor, porque esse livro me impressionou muito. Levei na mala de forma despretensiosa e ele me fez um dia que já estava excelente acabar sendo um dos melhores da minha vida.

FDL

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