“– Quero ver como é lá em cima – ela disse.
– Não podemos nos atrasar.
– É só um momento!
Ela já estava subindo. Ele não podia perder tempo. Com repugnância, subiu os primeiros degraus, agarrando-se a uma corda sebosa que servia de corrimão.
– Madeleine!... Mais devagar!
Sua voz reverberou, retomada em ecos breves pelas paredes apertadas. Madeleine não respondeu, mas ele ouvia o estalido de seus sapatos nos degraus. Flavières atravessou um curto patamar, percebeu através de uma abertura o teto do Simca e, para além de uma fileira de choupos, uma plantação onde mulheres trabalhavam com lenços sobre a cabeça. Começou a sentir náuseas. Afastou-se da abertura, continuou a subir mais lentamente.
– Madeleine!... Espere por mim!
Respirava depressa. Suas têmporas latejavam. Suas pernas não obedeciam direito. Um segundo patamar. Pôs a mão diante dos olhos para não ver o vazio, mas podia senti-lo à sua esquerda, no poço onde pendiam as cordas dos sinos. Gralhas saíram voando, grasnando ao redor das pedras quentes. Nunca seria capaz de descer aquilo.
– Madeleine!
Sua voz se tornou mais rouca. Ele ia gritar, como uma criança no escuro? Os degraus iam ficando mais altos, escavados no centro. Um pouco de luz penetrava por uma terceira abertura, acima de sua cabeça. A vertigem estava à espreita dele naquele novo patamar. Não conseguiria evitar dar uma olhada e, dessa vez, estaria mais alto que o cimo das árvores; o Simca não seria mais que uma pequena mancha. O ar afluiria à volta dele, vindo de todos os lados, seria levado como uma onda. Deu mais um passo, dois. Esbarrou numa porta. A escada continuava do outro lado.
– Madeleine!... Abra!
Ele mexia desesperadamente na maçaneta, batia na madeira com a palma da mão. Por que ela tinha fechado aquela porta?
– Não! – ele gritou. – Não... Madeleine... Não faça isso... Eu... Eu...”
Boileau - Narcejac
Eis que chega a hora do segundo livro que virou filme na obra de Hitchcock.
Eu vi esse filme Um Corpo que Cai em 2009, mas as memórias sobre ele são tão vivas que até me impressiona. E olha que eu até reli o que escrevi na época, porque costumo fazer isso para dar um arranque na memória e percebi que fui econômico em escrever sobre o enredo e passagens específicas.
O livro de Boileau-Narcejac é excelente. O filme de Hitchcock é bastante fiel a acontecimentos e passagens ocorridas no romance. Uma ou outra coisa são diferentes, mas fazem tudo ficar melhor ainda.
Nessa história o advogado e detetive Flavières é um ex-policial e tem um trauma, já que seu problema de vertigem provocou uma tragédia, que o fez se desligar da polícia e recomeçar a vida.
Um antigo colega de Flavières, Gèvigne, o procura para investigar Medeleine, sua esposa, que apresenta um comportamento estranho.
Obviamente o protagonista se apaixona pela bela e misteriosa mulher, ficando em um dilema entre a fidelidade ao amigo e os sentimentos fortes que desenvolveu pela esposa dele. Fora isso, há o incansável faro investigativo, que o faz tentar a todo custo desvendar os motivos dos atos e comportamentos de Madeleine.
O suspense de Hitchcock é cheio de efeitos visuais e sonoros que potencializam a nossa tensão e atenção. Eu achei que no livro sentiria falta disso por conta da leitura. Ao contrário: livros estimulam a nossa imaginação e boa parte da experiência parte de nós mesmos. Quando bem escrito, o texto faz a experiência ser perfeita.
Diversas passagens desse livro são geniais, como a da torre da igreja, já famosa.
O livro é curto e a edição que comprei há pouco tempo da editora Vestígio é outra obra de arte, em capa dura e com uma arte impecável. Vale a pena.
Vamos ao próximo livro de março: Psicose.
FDL
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