“Não podia ouvir nada além do barulho da água e o banheiro começou a se encher de vapor.
Foi por isso que não percebeu a porta abrir, nem o som de passos. Logo que as cortinas do chuveiro se abriram, o vapor obscureceu o rosto.
Então ela viu – um rosto, espiando entre as cortinas, flutuando como uma máscara. Um lenço escondia os cabelos e os olhos vidrados a observavam, inumanos. Mas não era uma máscara, não podia ser. Uma camada de pó dava à pele uma brancura de cadáver; havia duas manchas de ruge nas maçãs do rosto. Não era uma máscara. Era o rosto de uma velha louca.
Mary começou a gritar. A cortina se abriu mais e uma mão apareceu, empunhando uma faca de açougueiro. E foi a faca que, no momento seguinte, cortou o seu grito.
E a sua cabeça.”
Robert Bloch
Foi muito legal a experiência de ler em um livro uma das cenas mais famosas do cinema. Ela que inspirou aquela passagem que hoje em dia está gravada na cabeça de todo mundo que viu o filme ou alguma referência a ele.
A parte 4 do mês de Hitchcock é o livro que inspirou seu filme mais famoso: Psicose. Até agora foi o melhor deles.
Trata-se de mais um livro curto e dinâmico. Como eram bons esses livros que não enrolavam a gente com bobagens!
A edição está fantástica. Talvez seja uma das melhores que a editora Darkside tenha lançado. Se fosse em tamanho grande, diria que é o livro mais bonito que já coloquei na minha estante. Há diversas imagens, fotografias, artes gráficas temáticas, enfim, é uma edição limitada para guardar para sempre.
O livro conta a história de Norman Bates, um homem solitário que cuida sozinho do deserto Bates Motel e tem uma relação conflituosa e doentia com sua mãe, que envolve dominação e violência.
A ação do livro envolve o desaparecimento de Mary Crane, que fugia com um dinheiro roubado para tentar uma nova vida com seu noivo. Porém, ela cruza a vida de Norman e sua mãe, de alguma forma desequilibrando a já frágil relação naquela casa, o que faz ocorrer uma tragédia.
Os capítulos desse livro alternam o protagonismo de personagens, sendo vários focados em Norman, mas outros em Mary, Lila, Arbogast e Sam. Isso mostra a tremenda habilidade do autor Robert Bloch em utilizar referenciais e discursos diferentes para contar a fazer andar a história.
Gostaria muito de ter lido esse livro antes de conhecer o filme e ter visto o final. Como seria bom descobrir o mistério por meio de uma leitura!
Ainda assim, sabendo o que acontece, diversos trechos são interessantes, como esse que eu separei:
“Tarde de sábado, Norman faz a barba. Ele só fazia uma vez por semana, sempre aos sábados.
Norman não gostava de se barbear por causa do espelho. Havia linhas curvas nele. Todos os espelhos pareciam ondas que ferem sua vista.
Talvez o problema fossem os seus olhos. Sim, era isso, pois ele lembrava como gostava de se olhar no espelho quando menino. Gostava de ficar em frente ao espelho, sem roupas. Certa vez a Mãe o surpreendeu e deu-lhe uma pancada na cabeça com a grande escova de cabelo, de cabo de prata. Ela bateu com força, e doeu. A Mãe lhe disse que aquilo era muito feio, olhar-se daquela maneira.”
Esse livro é do ano de 1959 e trata de assuntos extremamente pesados e incômodos a quem é mais conservador. Certamente é de se imaginar o barulho que o combo com o filme causaram.
A facilidade de ler e passar o tempo faz Psicose ser raro. Já terminei com vontade de ler de novo. Um dia ainda certamente o farei.
Acho legal notar também que a famosa cena do chuveiro, da qual já falei, não é a única que deixa a gente em transe com o suspense. A cena final também é demais, com a personagem Lila:
“Não há fantasmas, Lila disse a si mesma. Franziu a testa ao perceber que tinha sido necessário negar para si. E, no entanto, ela podia sentir uma presença viva ali.”
Esse pequeno parágrafo, aliás, resume a obra, que trata da forte presença viva de uma pessoa morta, que não é um fantasma.
A explicação do capítulo final também é muito boa, porque ultrapassa a simples exploração de um personagem “doido” e dá fundamento e profundidade com todo um histórico da personalidade dessa pessoa.
Agora, eu já tinha visto esse filme há muitos anos. Lembrava de muita coisa. Até na mesma época vi aquele remake inútil que prefiro nem comentar. Por isso, mesmo fora dos meus planos, eu tive que ver novamente esse filme. Logo, partiu Netflix.
Filme: Psicose (Psycho)
Nota: 10
Elenco: Anthony Perkins, Vera Miles, Janet Leigh
Ano: 1960
Direção: Alfred Hitchcock
Você pega a história genial que eu já falei e une a isso um ávido diretor querendo fazer um grande sucesso, você tem um clássico do cinema.
Como é bom rever esse filme incrível, com todo esse clima de tensão e mistério.
Já na abertura você escuta a trilha sonora que é explorada por todo mundo quando quer fazer clima de suspense. Um dos pontos altos, aliás, no filme é o uso dos sons em geral.
Atuação de Anthony Perkins é impressionante. Você sente saudades de um tempo que não viveu. Isso porque quando comparamos o que era cinema antes e agora, dá até raiva.
Quando podemos ir ao cinema e ver em cartaz um bom filme de suspense e não mais um reboot, remake ou prequel de super-herói? Difícil, viu.
Enfim, graças ao Netflix podemos ver esse clássico e sem pagar 40 temers na pipoca.
Continuemos com os livros clássicos de Hitchcock em março. A parte 4 já vem e é Janela Indiscreta.
FDL