“Uma comoção passou-lhe na alma, murmurou, travando do braço de Ega:
- É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida minha vida inteira!
Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida – a paixão.
- Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!
- E que somos nós? – exclamou Ega. – Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é: indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão...
Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se mantiver na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até o fim...
- Creio que não – disse o Ega. – Por fora, à vista, são desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são desconsolados. O que prova que neste lindo mundo ou tem de ser insensato ou sem sabor...
- Resumo: não vale a pena viver...
- Depende inteiramente de estômago! – atalhou Ega.”
Eça de Queirós
Está aí, finalmente concluído o primeiro livro do desafio dos 12 livros para 2018. Tinha quer ser lido inteiro em janeiro? Tinha. Acabei atrasando demais por conta do tamanho e da complexidade dessa obra. Mas o importante é que agora consegui concluir e me sinto privilegiado de a essa altura da vida ainda ter conseguido tempo e disposição para desfrutar dessa obra-prima da literatura.
Há mais de 10 anos eu assisti à minissérie da Globo em DVDs quando estudava literatura para o vestibular. Já sou apreciador da obra do Eça de Queirós e achei que ler esse livro era algo que faltava.
Nem há tanto o que falar dessas quase 600 páginas de escola realista, que critica de forma incisiva a tradicional família burguesa lisboeta do século XIX. Eça de Queirós mostra uma família muito rica e cheia de aparências condenada a diversas tragédias por conta dos costumes e dos desatinos.
Há também muita política nesse livro, certamente mostrada nos personagens coadjuvantes, que mostram a piada que era a burguesia portuguesa da época.
Destaco muito o personagem Ega, que tem conversas muito interessantes com seu amigo Carlos, como essa no finalzinho do livro, que achei bem boa. Aliás, as conclusões amargas dos livros do Eça sempre são importantes. Quem não se lembra do tapa na cara que é o fim o livro O Primo Basílio?
Preciso destacar também a excelente edição da Editora Zahar, em capa dura, com papel de qualidade, várias notas de rodapé com traduções, explicações e contexto histórico e ainda textos de apoio. O livro está muito bonito e bem feito.
Há ainda obras do Eça que faltam ler. Quero muito conseguir no futuro. Fez muito bem, embora seja um desafio encarar a leitura complexa.
FDL
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