sábado, 23 de junho de 2018

Nix – Nathan Hill

Blank white book w/path“- Vi a aurora boreal uma vez. No norte de Alberta, no Canadá. Comprei um pacote de uma agência chamada ‘Descubra a Aurora Boreal’. Esperava que a aurora boreal me deixasse maravilhado. E isso, no fim das contas, aconteceu. Fiquei mesmo maravilhado. E isso, no fim das contas, foi uma grande decepção, porque minhas expectativas foram alcançadas. A aurora boreal foi exatamente o que eu pagara para ver. Que isso lhe sirva de lição.

- Lição sobre o que?

- Sobre esse grande épico que você está escrevendo. E as coisas que pretende realizar com ele. Que as auroras boreais sirvam de lição. É uma metáfora, claro.”

Nathan Hill

Depois de ver indicações desse lançamento em todos os canais do Youtube e todos os cantos, especificamente com elogios à escrita do autor com uma história que não necessariamente é tão diferente, resolvi encarar esse pequeno tijolo de quase 700 páginas e letras miúdas.

Não me arrependi. Certamente está no top 10 de leituras do ano.

O primeiro protagonista do livro é o professor universitário Samuel Anderson. Ele vive uma vida sem graça e sem sentido, passando horas em um jogo online e desprezando seus alunos. Tem um contrato assinado para escrever um livro depois de um breve período que foi considerado uma promessa. Mas sua escrita está empacada.

Sua vida acaba sendo movimentada quando descobre que sua mãe, Faye, foi presa.

O problema é que Faye, a segunda protagonista, abandonou Samuel quando ele tinha apenas 11 anos, ficando com o pai. Desde então ficou desaparecida. Além de tudo, sua prisão a tornou em celebridade instantânea, porque seu crime foi arremessar pedras em um candidato a governador quando ele estava em um local público.

Daí então, Samuel é chamado para ajudar a sua mãe a não enfrentar duras penas pelo crime, mas, ao mesmo tempo, recebe a ideia de escrever uma biografia arregaçando com a imagem dela para a mídia, salvando seu contrato e sua carreira.

De todo modo, Samuel tem que se aproximar novamente dessa mulher, investigar seu passado, seu presente e, conforme descobre novas informações, luta com o conflito ético entre ajuda-la ou destruí-la. Até porque, remexer nessa história é abrir suas próprias feridas e, quem sabe responder à pergunta que o atormentou por tantos anos: por que ela o abandonou?

O livro alterna os capítulos entre o ano de 2011, aparentemente tempo atual, os anos 80, momento da infância de Samuel e de seu abandono e também o final dos anos 60, período importante da vida de Faye, que conduz toda a história.

Há várias páginas porque o autor trata de vários assuntos. Há a questão da família em todos eles. Até pensei em enumerar temas que foram abordados, mas ficaria enorme isso aqui.

Até li em alguma crítica que Nathan Hill tentou falar de coisas demais em seu livro de estreia. Mas não concordo. A vida humana é complexa. Justamente toda essa mistura dá nossa identidade e dá também ao livro um caráter único.

De fato a forma de escrever do autor é diferente e única. As comparações, as descrições e a forma como os relatos são feitos são incomuns. Realmente é cativante.

Vou colar um exemplo de passagem que mostra isso:

“- Vai para a puta que pariu, seu filho de uma puta!

E então manda uma cusparada.

De verdade. Ele se inclina para trás, como que tomando um impulso, e então dispara pra a gente um bolo amorfo de catarro gosmento que esborracha horrivelmente contra a janela e gruda no vidro sem ao menos escorrer, apenas aterrissa e gruda como um punhado de espaguete em uma parede, um borrifo amarelado, cheio de bolhas e salpicos de comida mastigada e pavorosos respingos de sangue, como aqueles supostos embriões que às vezes a gente encontra dentro de um ovo cru. E então, satisfeito com sua obra de arte, o taxista volta ao carro e vai embora.

Durante todo o resto do trajeto até a vizinhança de sua mãe no bairro de South Loop, aquele esguicho viaja com Samuel como se fosse um carona. É como se ele estivesse dirigindo ao lado de um assassino com o qual não deseja estabelecer contato visual. Enxerga-o com a visão periférica, como uma espécie de penumbra esbranquiçada e irregular, enquanto sai da estrada principal e se enfia em uma rua estreita com sarjetas pontilhadas por copos e sacolas de fast-food”

Gostei muito desse livro e mesmo sendo grande eu acabei lendo rápido.

Recomendo muito.

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