“Forcei um sorriso, concordando com ele. Mais do que um soco, o velho merecia umas porradas. Machista de merda. Eu sabia quanto era difícil para qualquer mulher vir até uma delegacia prestar queixa, ter que vencer a vergonha e explicar como foi feita de trouxa por um galã que lhe fez juras de amor via internet. Só pensava em como Marta tinha se sentido ao ser recebida por Carvana, aquele tom depreciativo na voz, aquele desprezo pela dor que ela sentia. Eu entendia por que a pobre coitada tinha pulado da janela.”
Andrea Killmore
Eu não estava no clima para algo perturbador, mas meu lado curioso por mistérios sempre vence meu lado cansado que quer pensamentos felizes.
“Bom dia, Verônica” é um livro cheio de coisas a se comentar. A primeira delas é que a editora Darkside não está para brincadeira. Eles costumam caprichar na parte estética das edições para ganhar os leitores, além de ter estratégias interessantes pela internet. Só que nesse livro eles foram além.
Acredito que para compensar o fato de que os leitores de thrillers não se interessariam por uma edição nacional da categoria, eles trouxeram a “questão” da autora. Está na contracapa e nas páginas da internet:
“Quanto menos você souber sobre Andrea Killmore, menos risco vai correr. Amiga íntima do perigo, a nova autora da Darkside Books é uma revelação que não se pode revelar, e seu verdadeiro nome continua um mistério até para a editora. Em outra vida, ela foi alguém importante dentro da polícia. Após trabalhar infiltrada em um caso e sofrer uma grande perda pessoal, a autora se viu obrigada a assumir uma nova identidade. E com ela, uma nova vocação...”
Apesar de todo esse mambo jambo de anonimato, fiquei curioso justamente com o contrário. Como seria um suspense policial brasileiro? Fiquei com medo de ser algo que iria para o lado de Tropa de Elite ou qualquer obra do cinema brasileiro, mas fiquei surpreso com a forma, com a linguagem e, sobretudo, com a escrita da autora.
A protagonista do livro se chama Verônica, uma escrivã de polícia que por conta de problemas no passado, ficou relegada a um cargo puramente burocrático, sendo secretária de um delegado na DHPP.
Logo no início vemos a insatisfação com a vida sem significado que Verônica tem, daí até o título do livro, já que todos na delegacia lhe dão bom dia, mas ninguém liga para ela.
O problema é que no mesmo dia Verônica acaba testemunhando um suicídio dentro da própria delegacia e também recebe uma ligação de uma mulher desesperada pedindo ajuda.
Mesmo sendo fora de sua função e mesmo dissuadida pelo seu chefe, Verônica investiga os dois crimes e vai ao longo da obra descobrindo situações terríveis que afastam cada vez mais um possível fim de acordo com a Justiça, pelo menos a formal.
O livro é muito bom e eu li em poucos dias, até por não ser longo e enrolado também. Verônica é uma personagem muito interessante, porque faz parte dessa nova geração de protagonistas não idealizadas, com problemas reais e dilemas verossímeis.
Aliás, o que mais me dava um pé atrás com “Bom dia, Verônica” era a questão da verossimilhança, porque se a autora tentasse imitar o estilo gringo de escrever romances de investigação utilizando o Brasil como localização, ficaria impossível. Esse país é próprio.
Foi nessa parte que eu achei excelente a escrita de Andrea Killmore. É bem fiel a algo que se espera da realidade paulistana, com até o senso de humor dos brasileiros.
“Quando terminamos, ajeitei-me bela, recatada e do lar, e paguei o serviço com uma gorjeta generosa. Não sei se estava na classificação da Helô, mas o frentista, sem dúvida, era um cafuçu long neck: a embalagem não era lá essas coisas, mas o resto...”
A parte que não gostei tanto foi o excesso de situações incomuns e violentas que foram colocadas para chocar. A autora parece que descarregou toda a sua munição de uma vez, ficando difícil de acreditar nessa coincidência de coisas assombrosas acontecendo com uma pessoa só. Mas tudo bem, é ficção.
Posso ser chato e ver um errinho de português aqui e outro ali? Sim. Posso ter visto alguma confusão quanto à revisão sobre nosso sistema legal? Também, mas não é o mais importante.
Observo também que essa obra foi escrita muito recentemente, porque Verônica pega Uber e no livro há várias referências e expressões que aconteceram no Brasil há muito pouco tempo. A linguagem certamente pode unir as pessoas e nisso houve um grande acerto.
A autora até ensaia algumas reflexões legais, aquelas passagens que a gente marca no livro porque achou interessantes:
“O ser humano é podre e egoísta, prefere o problema que já conhece a enfrentar o desconhecido com honra. Janete não tinha coragem de se livrar do marido criminoso, mas tinha coragem de me entregar para ele a fim de ser torturada. Em seu egocentrismo insano, era uma mulher disposta a tudo para manter a vidinha torpe”
O final do livro é complicado. Não gostei muito da direção que a personagem Verônica tomou e como as histórias se encerraram. Mas apesar de não ser do meu gosto, não critico, porque fez sentido.
De todo modo, como romance de estreia, “Bom dia, Verônica” não fez feio, porque não há muito disso por aqui e há espaço para crescimento. Achei divertido e em alguns momentos desacreditava no que lia, de tão absurdo.
Foi um acerto e recomendo aos entusiastas desse tipo de literatura.
FDL
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