O Que Restou – Alexandra Oliva

“Seguro bem forte a lente dos meus óculos. Ela esbarra no calo do meu dedão a cada vez que é alisada. Recordo-me de tudo que Brenna contou sobre quarentenas e doenças. Recordo o folheto, a casa toda azul, tão azul, e límpida feito céu de verão. Recordo o urso de pelúcia, me observando.

Se eu me permitir duvidar, tudo estará perdido. Não posso ter dúvidas. Não tenho. Tudo faz sentido. Metal e pelos, um drone lá no alto. Ele é uma peça na grande engrenagem. Que nem eu. Apenas segue regras diferentes.

Estou andando descuidadamente, mais rápido do que deveria. Dou uma topada com o pé no nada; tropeço. Brennan faz menção de me ajudar, mas eu saio de perto.

- Mae – diz ele.

- Está tudo bem. – Fixo meu olhar embaçado no chão, começo a andar de novo.

- Mae, o que é aquilo?

Ele está olhando para frente. Tento ver o que ele vê, mas o horizonte é uma massa amorfa. Pressiono a lente dos óculos com mais força ainda. Gerando calor.

- O que é o quê? – pergunto.

Brennan olha para mim com os olhos arregalados. Está aterrorizado. Sinto um aperto no peito.”

Alexandra Oliva

Esse livro não foi lançado há muito tempo e apesar de novamente não ser o estilo de obra que eu costumo ler, resolvi comprar e fazer uma tentativa.

“Tudo começa em um reality show. Doze concorrentes são enviados ao coração de uma floresta, para enfrentar desafios que testarão os limites de sua resistência. Enquanto eles se dispersam pela natureza selvagem, uma catástrofe em larga escala acontece em todo o país, sem que se saiba ao certo o que causou ou o tamanho exato da destruição.

Isolados da civilização, os concorrentes permanecem alheios a tudo. E quando a competidora a quem os produtores do programa chamam de Zoo se depara com a devastação, ela imagina apenas que tudo é parte do jogo. Sozinha, desorientada e completamente alienada do que ocorre fora do seu campo de visão, Zoo reflete sobre a vida – e o marido – que deixou para trás, ao mesmo tempo em que reúne todas as suas forças para não ser eliminada de um jogo que, aos seus olhos, adquire contornos cada vez mais macabros.

Avançando em território desconhecido, ela deve se valer de todos os seus talentos para sobreviver. Mas à medida que suas reservas físicas e emocionais parecem chegar ao fim, Zoo começa a se dar conta de que o mundo real, longe das câmeras que ela mal enxerga, pode ter mudado de maneira drástica.”

Como a maior parte dos thrillers tem feito ultimamente, os capítulos alternam tempos diferentes. Em alguns momentos temos Zoo, a protagonista, sozinha enfrentando desafios altamente perigosos e completamente isolada, depois de um certo avanço no reality show. Já em outros capítulos, é contada a história do programa desde o começo, explicando bastidores e o que iria ao ar.

Achei interessante dois recursos utilizados pela autora na narração do reality: o primeiro é que ela descreveu os personagens sem nomes, por meio de estereótipos: Garçonete, Exorcista, Engenheiro, Garoto Cheerleader, Mateiro, etc... Isso fez com que ficasse mais fácil identificar vários personagens reunidos em um único espaço. Fica complicado decorar nomes de uma vez. Além do mais, certamente é uma crítica justamente à estereotipização que esses shows utilizam. A individualidade das pessoas é suprimida e são identificadas por algum traço seu que chame a atenção. Daí, o resto não importa mais, já são julgados.

Além disso, ao final dos capítulos que mostravam o programa, eram colocados trechos de supostos comentários de telespectadores em fóruns online. Isso mostra a atual simbiose entre tv e redes sociais. Aliás, é por meio desses comentários que vamos observando a catástrofe acontecer.

Evitando spoilers, conquanto a praga tenha fator interessante na história, não é o principal. Vejo que o ponto desse livro justamente é mostrar como esse mundo de câmeras pode ser completamente hermético e suprimir completamente a realidade de um indivíduo. Por isso mesmo, Zoo, ou em negação ou em confiança cega na televisão, custa a acreditar no que houve.

O livro é bom. Não foi o melhor do mundo e em alguns momentos irrita a obviedade das situações, mas, mesmo assim, a autora escreve muito bem e tem talento para prender nossa atenção.

Mesmo não sendo fã de obras apocalípticas, distópicas ou coisas do tipo, esse livro tem um bom suspense e isso faz com que eu recomende.

FDL