terça-feira, 24 de novembro de 2015

A Garota no Trem – Paula Hawkins

garota no trem 1“Um fragmento dessa memória levou ao próximo. É como se eu tivesse passado dias, semanas, meses tropeçando na escuridão e agora finalmente tivesse avistado alguma coisa. Como tatear a parede para encontrar o caminho de um cômodo para o seguinte. Sombras que antes estavam em movimento começam, enfim, a se amalgamar, e depois de um tempo meus olhos se acostumaram com a escuridão, e agora consegui ver.

Não de primeira. A princípio, embora parecesse uma lembrança, achei que fosse um sonho. Fiquei sentada ali, no sofá, quase paralisada de choque, dizendo para mim mesma que não seria a primeira vez que minha memória me traía, não seria a primeira vez que pensava que as coisas tinham acontecido de um jeito quando na verdade tinham acontecido de outro.

Como a vez em que fomos a uma festa de um colega de trabalho de Tom, e fiquei muito bêbada, mas tivemos uma ótima noite. Eu me lembro de ter me despedido de Clara com beijos no rosto. Clara era a mulher do colega de trabalho, uma moça muito agradável, gentil e afetuosa. Eu me lembro dela dizendo que nós deveríamos nos encontrar de novo; lembro dela segurando minha mão.

A lembrança era tão nítida, mas não era verdade. Descobri que não era verdade na manhã seguinte, quando Tom me virou as costas quando tentei falar com ele. Sei que não é verdade porque ele me contou como estava decepcionado e envergonhado por eu ter acusado Clara de ter flertado com ele, que eu tinha ficado histérica e a xingado.

Quando eu fechava os olhos, sentia o calor da mão dela na minha pele, mas isso não tinha acontecido de verdade. O que aconteceu na realidade foi que Tom teve de praticamente me levar embora carregada, enquanto eu chorava e gritava, e a pobre Clara se escondia na cozinha.”

Paula Hawkins

Para quem é fã de Friends, chega a ser estranho ver uma Rachel nessas condições, mas com o tempo a gente se acostuma e quer dar um abraço carinhoso nessa e dizer que vai ficar tudo bem.

Não sei se a autora britânica Paula Hawkins escreveu mais algum livro de ficção, mas certamente a sua vida mudou em 2015 com A Garota no Trem batendo recordes de vendas e críticas positivas no mundo todo.

A verdade é que todo ano algum livro desse estilo acaba sendo lançado e vendendo que nem água. Exemplo disso é o já não tão recente Garota Exemplar.

O livro trata de Rachel, uma mulher solitária, acima do peso, alcoólatra e de muito baixa autoestima, que foi largada pelo marido e luta para encontrar um propósito para viver.

O que Rachel faz todo dia é pegar um trem de manhã que vai para Londres. Esse mesmo trem para pela rua onde morava com seu ex-marido. Lá ela sempre observa um casal muito bonito que parece ser o sinônimo de felicidade e amor – coisa que ela não tem mais.

Sem spoilar muito, um crime acaba acontecendo nesse contexto, envolvendo esse casal, Rachel, seu ex-marido e a nova esposa dele (Anna).

A insegurança de Rachel move o livro, tal qual a sua falta de força para superar seu vício em álcool, o que atrapalha a sua já falha memória. Por isso, ela se envolve num crime sem saber como.

Trata-se de uma narrativa curta e sem muita enrolação. Você lê em pouco tempo. É também um dos melhores suspenses escritos ultimamente.

Não é só um conjunto de mistérios e cenas violentas que são vendidos. Quando o livro chega ao final, observamos uma sutil e ao mesmo tempo precisa história de violência moral e física contra a mulher. A primeira é contada de uma forma primorosa.

Spoilers por aqui.

Como o livro é narrado em boa parte por Rachel, somos levados a crer que seja verdadeira toda essa culpa que ela sente. Toda essa fraqueza e essa incapacidade de manter seu casamento. Será?

As outras narradoras deixam claro o ponto de ser um livro destinado muito mais à violência moral que a mulher sofre em seu casamento do que qualquer outra coisa.

Observamos no final, aos poucos, que Rachel viveu um casamento que não passou de um relacionamento abusivo. No momento de sua fragilidade o marido somente a deixou pior e todo o comportamento dela vem disso.

O final do livro é muito bom e Garota no Trem parece um livrinho bobinho, mas não é.

Já há promessas de um filme no ano que vem. Vejamos como será.

Recomendo muito.

FDL

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