sexta-feira, 12 de abril de 2019

Precisamos Falar Sobre o Kevin – Lionel Shriver

“Senhora Khatchadourian, alguma vez a senhora ou seu marido bateram em seu filho?” O advogado de Mary debruçou-se ameaçador na plataforma onde eu prestava depoimento.

Tudo o que a violência faz é ensinar à criança que a força física é um método aceitável de obter o que se quer”, recitei.

O tribunal só pode concordar com isso, senhora Khatchadourian, mas e muito importante esclarecermos o assunto, para que fique registrado nos autos. A senhora ou seu marido alguma vez abusaram fisicamente de Kevin enquanto ele esteve sob os cuidados de vocês?”

“Claro que não”, falei com toda a firmeza e, depois, resmunguei mais baixo, para que não restassem dúvidas: “Claro que não”. Arrependi-me da repetição. Há algo de suspeito em qualquer afirmação que precise ser dita duas vezes.

Ao descer da plataforma, meu pé enroscou num prego no assoalho, e com isso arranquei o salto preto de borracha do meu sapato. Claudicando de volta a meu lugar, refleti que era melhor um salto quebrado que um enorme nariz de pau.

No entanto, guardar segredo é uma disciplina. Nunca me considerei boa mentirosa, mas, depois de certa prática, adotei o credo dos safados, segundo o qual mais que fabricar uma mentira a grande questão é se casar com ela. Uma mentira bem-sucedida não pode ser trazida ao mundo e, depois, abandonada por um capricho qualquer. Assim como todo relacionamento em que há compromisso de ambas as partes, a mentira tem de ser mantida, e com muito mais empenho que o dedicado à verdade, que continua sendo uma mera verdade descuidada sem ajuda de ninguém. Já a minha mentira precisava de mim tanto quanto eu precisava dela e, portanto, exigia a constância de um voto matrimonial: até que a morte nos separe.”

Lionel Shriver

Vamos ao livro de abril do desafio de 12 livros para 2019. Dessa vez é Precisamos Falar Sobre o Kevin, escrito por Lionel Shriver.

Esse livro é epistolar, mas com um detalhe. São cartas que a protagonista escreve ao seu marido, que foi assassinado pelo próprio filho do casal, Kevin. Além disso, o adolescente matou diversos colegas de escola e a irmã mais nova, deixando apenas a mãe viva.

Super leve, né? Então vamos.

A cada carta a mãe retoma sua história de vida, como se agora nada mais importasse e pudesse ser completamente sincera a respeito dos seus sentimentos.

O começo do livro se arrasta muito e é bem chato.

Começa a ficar mais interessante quando vemos sua relação com Kevin já desde criança, que demonstrara seu comportamento sádico e frio desde bebê.

Há passagens perturbadoras da própria mãe, que confessa não ter tido vontade de ter esse filho, as complicações da gravidez e a relação de guerra e domínio que foi construída ao longo do tempo, culminando com a tragédia.

Em vários momentos o livro volta a se arrastar, mas a história é interessante olhando de uma forma geral.

O filme eu vi em 2012 e acabei relendo meu post, no qual fui bem crítico com o que vi. Não sei se sigo do mesmo jeito.

De todo modo, o que falta no filme a respeito das consequências e do impacto na cidade depois do crime, o livro supre essa lacuna.

Acho que tanto livro quanto filme são equiparados porque têm virtudes e falhas. Mas de algum modo ambos se complementam.

Essa história é pesada e percebi que nesse ano acabei selecionando uma coleção de porradas na cara para ler. De repente é necessário.

FDL

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