Hoje eu estava voltando para casa no metrô e estava relativamente cheio. Os mais vivos sentaram nas velhas e minguadas cadeiras e os mais lentos ficaram de pé na sacudida diária.
Me chamou a atenção a menina que sentou na minha frente. Nada demais, completamente comum: acima do peso, sem maquiagem, uma blusa debaixo do sovaco para garantir o possível frio e sem maquiagem. Acho que essa cara de gente comum me fez pensar e vir escrever.
Não deram dois minutos e do outro lado do vagão tinha uma senhora com uma criança no colo. Era uma criança muito bem grandinha, diga-se de passagem, que podia muito bem estar de pé e sentindo um gostinho do futuro.
Pois que a nossa amiga comum de onde estava, em assento comum, à ponta de várias pessoas que poderiam ter feito o mesmo, levantou e anunciou orgulhosa: “senhora, senta aqui, por favor”.
A senhora negou, disse que iria descer já.
Não pude deixar de notar uma certa decepção na face da altruísta, que em seguida, olhava quase que em frenesi para os lados, procurando por algo.
Na estação seguinte entrou um senhor, esse sim, completamente digno de viajar sentado, já estava maltratado pela vida e merecia com certeza o ato desprendido da moça comum.
Ela não pensou duas vezes, estava vigilante: “senhor, senta aqui, por favor”.
Como que igual a um bofetão: “Não, obrigado, já vou descer”.
Mais uma vez se amuou, mas ela não desiste nunca, continuou olhando pro lado, mesmo sentada no lugar ironicamente desprezado.
Eis que algumas estações depois entrou uma senhora mais acabada ainda. A dinâmica já conhecemos. Dessa vez ela estava bem mais longe e a bondade não poderia ser contida, por isso, a boazinha se levantou, atravessou o vagão e ofereceu seu lugar com sua frase feita.
Claro que nesse meio tempo um dos espertinhos que eu comentei no começo, como eu, sentou no lugar.
Mas desgraça pouca é bobagem. A senhorinha também negou. Mas dessa vez não houve desapontamento por parte da nossa heroína, pois a senhora reconheceu seu ato: “Obrigada, querida, já vou descer, muito gentil de sua parte”.
O orgulho encheu o peito dela, que ficou feliz. Mal podia conter um sorriso. Finalmente conseguiu o que queria: demonstrar que era uma pessoa de cidadania.
As portas do metrô se abriram, eu desci para seguir a vida, um rapidinho sentou no meu lugar, outro já roncava no dela e ela seguiu de pé o resto da viagem.
Pensar sobre isso foi inevitável. Será que nós torcemos tanto para que coisas boas aconteçam na nossa vida que precisamos tão desesperadamente fazer o bem a alguém para receber o bem em troca?
Óbvio que nossa amiga não se comporta assim todo dia e não está tão preocupada com a viagem confortável dos vulneráveis. Mas a nossa é bondade não é para o outro, sim para nós mesmos, que esperamos a correspectividade.
Será que ela conseguiu? Torço para que não. Melhor sermos honestos e entendermos que não é o acaso que nos dá as bençãos, mas só nós mesmos, que temos de correr para viajarmos sentados e não sentirmos dor no pé.
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