sexta-feira, 31 de março de 2017

A Dama Oculta – Ethel Lina White

livro a dama oculta

“Eu entendi certo?”, perguntou. “A srta. Froy é uma completa estranha para você?”

“Isso mesmo”

“E, mesmo assim, está quase enlouquecendo por causa dela. Você deve ser a pessoa menos egoísta do mundo. Sério, é quase antinatural.”

“Na verdade é o contrário disso”, admitiu Iris, com sinceridade. “Isso é que é engraçado. Não consigo me entender nem um pouco.”

Ethel Lina White

Encerro o mês de livros que viraram filmes do Hitchcock com o que achei menos interessante.

Aliás, o problema para mim não foi com a história em si, que me chamou bastante a atenção. O negócio é que a narrativa é muito confusa para mim. Há algumas rupturas e outras passagens que me deixaram perdido.

Alguns pontos desse livro sequer ficaram claros para mim.

No entanto, me simpatizei com a protagonista, Iris. Ela é afetada, porém inteligente e decidida. Gosto da postura dela de enfrentar aqueles homens, sem desistir de suas ideias e posicionamentos.

O mistério do final era bem evidente, muito embora os motivos não fiquem claros.

O começo dessa história enrola demais e não acrescenta em nada ao que vemos depois. Com certeza não tenho vontade de reler um dia.

Assim encerro a minha proposta de março. Gostaria de ter lido mais um, mas quem sabe faço um mês da repescagem ou então mais um mês de Hitchcock no futuro? Quem sabe?

Agora, vamos ao filme, que não tinha visto ainda.

filme a dama ocultaFilme: A Dama Oculta (The Lady Vanishes)
Nota: 7,5
Elenco: Margaret Lockwood, Michael Redgrave, Dame May Whitty
Ano: 1938
Direção: Alfred Hitchcock

 

 

 

 

 

Certamente o filme é melhor que o livro e faz diversas mudanças na história. Em comum há a protagonista, que perde sua amiga no trem de forma misteriosa e é tomada como louca. O pano de fundo de espionagem também está por lá, mas é muito mais explorado.

Algumas cenas são teatrais e as atuações são bem exageradas. É muito bom comparar o estilo de filmes daquela época com como é feito agora.

Mesmo assim foi o filme mais fraco do Hitchcock que eu já vi até hoje. Só evidentemente está longe de ser ruim.

De todo modo, encerramos mais um capítulo.

FDL

domingo, 26 de março de 2017

Janela Indiscreta – Cornell Woolrich

janela indiscreta livro“Eu não sabia seus nomes. Nunca ouvira suas vozes. Estritamente falando, não os conhecia nem de vista, pois seus rostos eram pequenos demais para adquirirem feições identificáveis àquela distância. No entanto, eu podia construir um cronograma de suas idas e vindas, de seus hábitos e atividades cotidianas. Eram moradores das janelas à minha volta.

Claro, acho que era um pouco parecido com bisbilhotice, poderia até ser confundido com a concentração febril de um voyeur. Isso não era culpa minha, não era essa a questão. A questão era que, justamente naquela ocasião, meus movimentos estava severamente limitados...”

Cornell Woolrich

 

 

 

 

Chegamos finalmente na parte 04 do mês de Hitchcock.

Janela Indiscreta foi um dos filmes preferidos meus que eu vi dele até hoje. Quanto ao livro...

Bom, fiquei surpreso quando ele chegou aqui em casa e descobri que não é um romance inteiro, trata-se de um conto de Cornell Woolrich. Até aí tudo bem. Dependendo do resultado eu leria os contos seguintes.

O conto não é tão bom quanto o filme. Definitivamente.

A história é semelhante no ponto principal: o personagem sem poder levantar que investiga um assassinato apenas observando o vizinho pela janela. De resto, nada a ver.

Neste conto ele não tem uma namorada e sim o secretário, ou empregado, não é tão clara assim a relação dos dois. Além disso, o final é confuso. Não sei se fui perdendo a atenção na leitura ou é corrido mesmo.

Não chega a ser ruim, mas não tem comparação com o filme Janela Indiscreta do Hitchcock.

De todo jeito, não me senti tão interessado assim em ler os outros contos do livrinho, mas quem sabe no futuro?

O próximo livro de obra do Hitchcock é A Dama Oculta. Até lá.

FDL

sexta-feira, 24 de março de 2017

Psicose – Robert Bloch

psicose“Não podia ouvir nada além do barulho da água e o banheiro começou a se encher de vapor.

Foi por isso que não percebeu a porta abrir, nem o som de passos. Logo que as cortinas do chuveiro se abriram, o vapor obscureceu o rosto.

Então ela viu – um rosto, espiando entre as cortinas, flutuando como uma máscara. Um lenço escondia os cabelos e os olhos vidrados a observavam, inumanos. Mas não era uma máscara, não podia ser. Uma camada de pó dava à pele uma brancura de cadáver; havia duas manchas de ruge nas maçãs do rosto. Não era uma máscara. Era o rosto de uma velha louca.

Mary começou a gritar. A cortina se abriu mais e uma mão apareceu, empunhando uma faca de açougueiro. E foi a faca que, no momento seguinte, cortou o seu grito.

E a sua cabeça.”

Robert Bloch

Foi muito legal a experiência de ler em um livro uma das cenas mais famosas do cinema. Ela que inspirou aquela passagem que hoje em dia está gravada na cabeça de todo mundo que viu o filme ou alguma referência a ele.

A parte 4 do mês de Hitchcock é o livro que inspirou seu filme mais famoso: Psicose. Até agora foi o melhor deles.

Trata-se de mais um livro curto e dinâmico. Como eram bons esses livros que não enrolavam a gente com bobagens!

A edição está fantástica. Talvez seja uma das melhores que a editora Darkside tenha lançado. Se fosse em tamanho grande, diria que é o livro mais bonito que já coloquei na minha estante. Há diversas imagens, fotografias, artes gráficas temáticas, enfim, é uma edição limitada para guardar para sempre.

O livro conta a história de Norman Bates, um homem solitário que cuida sozinho do deserto Bates Motel e tem uma relação conflituosa e doentia com sua mãe, que envolve dominação e violência.

A ação do livro envolve o desaparecimento de Mary Crane, que fugia com um dinheiro roubado para tentar uma nova vida com seu noivo. Porém, ela cruza a vida de Norman e sua mãe, de alguma forma desequilibrando a já frágil relação naquela casa, o que faz ocorrer uma tragédia.

Os capítulos desse livro alternam o protagonismo de personagens, sendo vários focados em Norman, mas outros em Mary, Lila, Arbogast e Sam. Isso mostra a tremenda habilidade do autor Robert Bloch em utilizar referenciais e discursos diferentes para contar a fazer andar a história.

Gostaria muito de ter lido esse livro antes de conhecer o filme e ter visto o final. Como seria bom descobrir o mistério por meio de uma leitura!

Ainda assim, sabendo o que acontece, diversos trechos são interessantes, como esse que eu separei:

“Tarde de sábado, Norman faz a barba. Ele só fazia uma vez por semana, sempre aos sábados.

Norman não gostava de se barbear por causa do espelho. Havia linhas curvas nele. Todos os espelhos pareciam ondas que ferem sua vista.

Talvez o problema fossem os seus olhos. Sim, era isso, pois ele lembrava como gostava de se olhar no espelho quando menino. Gostava de ficar em frente ao espelho, sem roupas. Certa vez a Mãe o surpreendeu e deu-lhe uma pancada na cabeça com a grande escova de cabelo, de cabo de prata. Ela bateu com força, e doeu. A Mãe lhe disse que aquilo era muito feio, olhar-se daquela maneira.”

Esse livro é do ano de 1959 e trata de assuntos extremamente pesados e incômodos a quem é mais conservador. Certamente é de se imaginar o barulho que o combo com o filme causaram.

A facilidade de ler e passar o tempo faz Psicose ser raro. Já terminei com vontade de ler de novo. Um dia ainda certamente o farei.

Acho legal notar também que a famosa cena do chuveiro, da qual já falei, não é a única que deixa a gente em transe com o suspense. A cena final também é demais, com a personagem Lila:

Não há fantasmas, Lila disse a si mesma. Franziu a testa ao perceber que tinha sido necessário negar para si. E, no entanto, ela podia sentir uma presença viva ali.”

Esse pequeno parágrafo, aliás, resume a obra, que trata da forte presença viva de uma pessoa morta, que não é um fantasma.

A explicação do capítulo final também é muito boa, porque ultrapassa a simples exploração de um personagem “doido” e dá fundamento e profundidade com todo um histórico da personalidade dessa pessoa.

psicose 2

Agora, eu já tinha visto esse filme há muitos anos. Lembrava de muita coisa. Até na mesma época vi aquele remake inútil que prefiro nem comentar. Por isso, mesmo fora dos meus planos, eu tive que ver novamente esse filme. Logo, partiu Netflix.

psicose filmeFilme: Psicose (Psycho)
Nota: 10
Elenco: Anthony Perkins, Vera Miles, Janet Leigh
Ano: 1960
Direção: Alfred Hitchcock

 

 

 

 

 

Você pega a história genial que eu já falei e une a isso um ávido diretor querendo fazer um grande sucesso, você tem um clássico do cinema.

Como é bom rever esse filme incrível, com todo esse clima de tensão e mistério.

Já na abertura você escuta a trilha sonora que é explorada por todo mundo quando quer fazer clima de suspense. Um dos pontos altos, aliás, no filme é o uso dos sons em geral.

Atuação de Anthony Perkins é impressionante. Você sente saudades de um tempo que não viveu. Isso porque quando comparamos o que era cinema antes e agora, dá até raiva.

Quando podemos ir ao cinema e ver em cartaz um bom filme de suspense e não mais um reboot, remake ou prequel de super-herói? Difícil, viu.

Enfim, graças ao Netflix podemos ver esse clássico e sem pagar 40 temers na pipoca.

Continuemos com os livros clássicos de Hitchcock em março. A parte 4 já vem e é Janela Indiscreta.

FDL

quarta-feira, 22 de março de 2017

A Bela e a Fera

a bela e a feraFilme: A Bela e a Fera (Beauty and the Beast)
Nota: 9,5
Elenco: Emma Watson, Luke Evans, Kevin Kline, Ewan McGregor, Ian McKellen, Emma Thompson, Stanley Tucci
Ano: 2017
Direção: Bill Condon

 

 

 

 

O desenho de A Bela e a Fera, de 1991, ainda é muito marcado na minha memória. Eu tinha 06 anos (no Brasil esteve no cinema em 1992) e fui ao cinema nas minhas férias com minha mãe e meu irmão.

No ano seguinte, foi a primeira fita em VHS que eu ganhei, junto com o Ratinho Detetive, que nós assistíamos até decorar todas as falas.

Realmente é um clássico que você nem precisa colocar na categoria animação. É um clássico e pronto.

Quando soube que seria feita uma adaptação live action desse filme eu nem liguei. Eu sabia que não iria assistir. Nada do que é feito assim é bom, porque os diretores querem dar uma identidade própria ao trabalho e acabam descaracterizando tudo, mas usando o título original para chamar a atenção das pessoas nas bilheterias.

Porém, todos começaram a falar sobre a extrema fidelidade que esse filme teria quando comparado ao desenho original. Isso já começou a despertar meu interesse.

A escolha da atriz para fazer a Bela arrematou e eu fiquei ansioso esperando o que seria feito com essa obra pela qual eu tenho muito carinho.

Quando falamos da fidelidade, realmente é isso. Não é uma cópia total, mas o que interessava foi mantido. O decorrer da história é o mesmo, as cenas são as mesmas e até as músicas foram utilizadas iguais. Há diálogos novos, músicas novas e até algumas adições que eram necessárias e a gente nem sabia.

Por exemplo, em um momento os personagens do castelo explicam para Bela que são daquele jeito por serem amaldiçoados, afinal, não fazia sentido ela conversar com um candelabro e um relógio e achar que estava tudo beleza. Claro que deixaram de fora a parte principal.

Outra coisa legal foi a cena em que a Bela leva a Fera de volta ao castelo após ele ser atacado por lobos. Ela pede ajuda dele, para que ele suba no cavalo. Pensando bem, como naquele desenho a Bela colocou uma Fera desmaiada em cima de um cavalo para levar? Bom.

Fora isso, é a pura experiência do cinema, com visuais impressionantes, histórias cativantes, músicas que emocionam e, no meu caso, remetem a um tempo passado.

A atuação da Emma Watson foi criticada por algumas pessoas, mas eu achei excelente. Ela é perfeita para fazer a Bela, até mesmo pela sua postura na vida real, de não ser apenas uma mocinha boba, já que a Bela gosta de ler e se recusa a ser uma esposa submissa.

Recomendo muito esse filme, seja para quem curtia o desenho como eu e minha família, seja para quem quer conhecer agora.

FDL

segunda-feira, 20 de março de 2017

Vertigo (Um Corpo que Cai) – Boileau - Narcejac

vertigo um corpo que cai“– Quero ver como é lá em cima – ela disse.

– Não podemos nos atrasar.

– É só um momento!

Ela já estava subindo. Ele não podia perder tempo. Com repugnância, subiu os primeiros degraus, agarrando-se a uma corda sebosa que servia de corrimão.

– Madeleine!... Mais devagar!

Sua voz reverberou, retomada em ecos breves pelas paredes apertadas. Madeleine não respondeu, mas ele ouvia o estalido de seus sapatos nos degraus. Flavières atravessou um curto patamar, percebeu através de uma abertura o teto do Simca e, para além de uma fileira de choupos, uma plantação onde mulheres trabalhavam com lenços sobre a cabeça. Começou a sentir náuseas. Afastou-se da abertura, continuou a subir mais lentamente.

– Madeleine!... Espere por mim!

Respirava depressa. Suas têmporas latejavam. Suas pernas não obedeciam direito. Um segundo patamar. Pôs a mão diante dos olhos para não ver o vazio, mas podia senti-lo à sua esquerda, no poço onde pendiam as cordas dos sinos. Gralhas saíram voando, grasnando ao redor das pedras quentes. Nunca seria capaz de descer aquilo.

– Madeleine!

Sua voz se tornou mais rouca. Ele ia gritar, como uma criança no escuro? Os degraus iam ficando mais altos, escavados no centro. Um pouco de luz penetrava por uma terceira abertura, acima de sua cabeça. A vertigem estava à espreita dele naquele novo patamar. Não conseguiria evitar dar uma olhada e, dessa vez, estaria mais alto que o cimo das árvores; o Simca não seria mais que uma pequena mancha. O ar afluiria à volta dele, vindo de todos os lados, seria levado como uma onda. Deu mais um passo, dois. Esbarrou numa porta. A escada continuava do outro lado.

– Madeleine!... Abra!

Ele mexia desesperadamente na maçaneta, batia na madeira com a palma da mão. Por que ela tinha fechado aquela porta?

– Não! – ele gritou. – Não... Madeleine... Não faça isso... Eu... Eu...”

Boileau - Narcejac

Eis que chega a hora do segundo livro que virou filme na obra de Hitchcock.

Eu vi esse filme Um Corpo que Cai em 2009, mas as memórias sobre ele são tão vivas que até me impressiona. E olha que eu até reli o que escrevi na época, porque costumo fazer isso para dar um arranque na memória e percebi que fui econômico em escrever sobre o enredo e passagens específicas.

O livro de Boileau-Narcejac é excelente. O filme de Hitchcock é bastante fiel a acontecimentos e passagens ocorridas no romance. Uma ou outra coisa são diferentes, mas fazem tudo ficar melhor ainda.

Nessa história o advogado e detetive Flavières é um ex-policial e tem um trauma, já que seu problema de vertigem provocou uma tragédia, que o fez se desligar da polícia e recomeçar a vida.

Um antigo colega de Flavières, Gèvigne, o procura para investigar Medeleine, sua esposa, que apresenta um comportamento estranho.

Obviamente o protagonista se apaixona pela bela e misteriosa mulher, ficando em um dilema entre a fidelidade ao amigo e os sentimentos fortes que desenvolveu pela esposa dele. Fora isso, há o incansável faro investigativo, que o faz tentar a todo custo desvendar os motivos dos atos e comportamentos de Madeleine.

O suspense de Hitchcock é cheio de efeitos visuais e sonoros que potencializam a nossa tensão e atenção. Eu achei que no livro sentiria falta disso por conta da leitura. Ao contrário: livros estimulam a nossa imaginação e boa parte da experiência parte de nós mesmos. Quando bem escrito, o texto faz a experiência ser perfeita.

Diversas passagens desse livro são geniais, como a da torre da igreja, já famosa.

O livro é curto e a edição que comprei há pouco tempo da editora Vestígio é outra obra de arte, em capa dura e com uma arte impecável. Vale a pena.

Vamos ao próximo livro de março: Psicose.

FDL

sábado, 18 de março de 2017

Love – 2ª Temporada

love s2

Terminei de assistir à aguardada segunda temporada de Love, excelente série trazida pelo Netflix no ano passado.

O bom de ver séries no Netflix é que vamos lá com um lanchinho despretensioso e quando vemos passamos o nosso final de semana inteiro no sofá assistindo a uma temporada inteira. Nem preciso dizer o que aconteceu aqui.

Mickey e Gus voltam nessa temporada exatamente no ponto onde acabou a temporada passada, mas fazem o oposto do que prometeram naquele episódio.

Mickey pede para ficar um ano sem sair com ninguém, mesmo gostando de Gus. Isso faz parte do que ela acredita ser uma forma de se curar de mais uma de suas compulsões.

Acontece que os dois se aproximam e não tem como se separarem. A temporada inteira é assim.

Eu vou destacar o excelente segundo episódio da temporada. Aquela cena inicial é genial. As conversas, o desconforto e finalmente ele esperando ela ir embora para peidar.

Também foi muito bom o episódio em que Gus conhece o pai dela e acaba demonstrando o que vai ser o ponto fraco dele. Isso acontece porque os defeitos dela são bem mais evidentes, mas os dele são latentes.

A série, claro que traz problemas no final, porque senão a história não anda. Não sei se vai se sustentar por muito tempo com isso, mas foi tudo excelente.

Mais uma vez elogio os coadjuvantes que sustentam muito a série, além da trilha sonora e de toda a leveza dos diálogos.

Se eu pudesse, veria essa série o ano todo, porque é de fato um prazer.

Até o ano que vem então!

FDL

sexta-feira, 17 de março de 2017

Os Pássaros – Frank Baker

os-passaros livro“O Parlamento se dispersou sem ter chegado a nenhuma conclusão. Então, os proprietários de jornais, ansiosos como de costume para demonstrou seu poder, começaram a dizer ao governo o que fazer. “Atirem neles! ”, clamou um jornal. “Atraiam-nos no céu com bolsas cheias de alimentos saborosos”, proferiu outro em tom colérico. “Seduzam-nos para leva-los até um parque vazio, soltem um exército de gatos famintos e torçam pelo melhor.”. “Ofereça uma libra esterlina por cada pássaro morto cujo cadáver possa ser apresentado.”.

Claro, claro, certamente. Mas um fato se destacava. Ninguém até então havia sido capaz de matar ou capturar uma daquelas pragas. Pelo contrário, um considerável número de pessoas engajadas em combate-las tinha morrido. E em todos esses embates mortais, nenhum pássaro, nem mesmo uma pena, jamais foi encontrado”.

Frank Baker

Assisti ao filme no ano passado e já estava empolgado com o livro com edição toda fodona que tinha sido lançado. Percebi depois que tenho vários livros aqui de obras que viraram filmes do Hitchcock. Por isso em março vou tentar ler todos e completar.

Oficialmente, o filme Os Pássaros é inspirado no conto homônimo de Daphne du Maurier. Infelizmente não encontrei essa desgraça, porque teria lido e completado tudo. Tive dificuldades até para encontrar em inglês.

Extra-oficialmente soube-se que o filme foi inspirado na também homônima obra de Frank Baker, lançada no Brasil nos últimos meses. Houve discussão de plágio e um monte de coisa. Fato é que há muitas semelhanças no tema principal.

A história em si é bem diferente entre livro e filme. Já comentei o filme Os Pássaros no post, mas na obra escrita, que se passa em Londres, um homem entediado com seu emprego burocrático se apaixona por uma mulher misteriosa e isso o faz questionar aquela vida que levava.

Claro que junto disso, o mundo vive um momento de ruptura para um futuro distópico depois que pássaros misteriosos passam a atacar as pessoas e mata-las.

O mais interessante da obra de Baker é que não se trata apenas de um suspense violento marcado por um “salve-se quem puder”. Há uma dose reflexiva interessante na história.

O protagonista observa uma certa dose de julgamento moral por parte dos pássaros. Acabam sendo atacados aqueles que não enxergam o fundo dos olhos dos pássaros no momento do ataque.

Assim o faz o protagonista, que acaba tendo um tipo de epifania e muda sua forma de ver o mundo, deixando de ser atacado pelos pássaros.

“Em um segundo aterrorizante, que pareceu durar por toda a eternidade, percebi tudo o que eu era, tudo o que havia esmaecido para se extinguir em mim. Vi, no fundo das covas daqueles dois olhos mortos, a alma que eu havia expulsado de mim há tanto tempo. E ela era abominável.

... Eu não consigo mais falar sobre aquilo. Pois falar daquilo que vi é trair a Alma cheia de vida que, desde aquele momento, nasceu em mim e ainda sobrevive. Eu vi – e isso é tudo que posso lhe dizer -, eu vi a emanação corrompida da Alma de um homem que, nas palavras de um grande profeta: ‘Deus fez para que ele próprio se arruinasse.’

Eu vi e sobrevivi. Se não tivesse visto, meu Demônio teria me destruído. Mas eu vi e sobrevivi.”

Ao contrário disso, diversos personagens com algum desvio de caráter não são poupados pelos pássaros assassinos. Um exemplo disso é o chefe, que só pensa em si mesmo.

“Daquela noite em diante, senti-me oprimido e assustado pela imagem de um pássaro que parecia ter o poder de, a qualquer momento, se materializar no céu em volta de mim. Eu nunca o vi como uma figura robusta e clara como os outros pássaros que voavam sobre a City; para mim, ele sempre aparecia como um fantasma, mais sentido que avistado. Era algo que eu possuía e de que não conseguia me livrar; em meus inumeráveis esforços para me livrar dele, ficou claro que aquela criaturas desejava se tornar parte de mim. Pensei repetidas vezes no pequeno pássaro encolhido no ombro do poeta; na velha senhora que saíra carregada da cabine telefônica; e nas centenas que haviam encontrado suas mortes ao tentar acabar com as aves. Ao me lembrar desses casos, não tentei afastá-lo de mim. Eu nem poderia, não ousava enfrenta-lo. O pensamento de encontra-lo face a face me enchia de terror. Tentei desesperadamente não leva-lo em consideração. O sentimento pesado de temor e angústia, com o qual a sua presença me dominava era aterrorizador. Eu não conseguia dormir em um quarto com janelas abertas, pois tinha medo de acordar e encontra-lo voando pelo quarto na escuridão ou, pior ainda, pousado em meu peito, olhando para mim com seus olhos cruéis e penetrantes.”

Esse livro em alguns momentos é bem enrolado e chato, se perdendo mais uma vez em descrições e reflexões sem sentido. Mas a leitura flui porque pelo menos não tentaram complicar demais a linguagem.

Certamente você vê a influência da obra no filme de Hitchcock.

Agora, enquanto escrevia esse post acabei finalmente encontrando o curto conto de Daphne du Maurier. Tirei minha habilidade de ler em inglês do arquivo e já completei a experiência de uma vez:

The Birds And Other Stories – Daphne du Maurier

the birds“Nat had no time to answer. He was raking the bodies from the chimney, clawing them out onto the floor. The flames still roared, and the danger of the chimney catching fire was one he had to take. The flames would send away the living birds from the chimney top. The lower joint was the difficulty, though. This was choked with the smoldering helpless bodies of the birds caught by fire. He scarcely heeded the attack on the windows and the door: let them beat their wings, break their beaks, lose their lives, in the attempt to force an entry into his home. They would not break in. He thanked God he had one of the old cottages, with small windows, stout walls. Not like the new council houses. Heaven help them up the lane, in the new council houses”

Daphne du Maurier

 

O conto é bem curto. Não passa de 40 páginas.

Em alguns momentos lembra mais o filme, porque mostra uma família fugindo do ataque de pássaros e tentando se salvar em sua casa. O filme do Hitchcock também segue essa linha, embora a história também não seja a mesma.

Nesse conto há várias espécies de pássaros e alguns morrem após atacar os humanos. Não há nada de moralismo ou de filosofia nessa historinha.

O final é bem mais amargo e mostra mais um comportamento de uma família em tempos de tragédia.

Recomendo tudo, porque essa história, contada de diversas formas e meios é muito interessante. Só serviu para reforçar o quanto esse clássico é bom.

Vamos ao próximo livro: Vertigo – Um Corpo que Cai.

FDL

quinta-feira, 16 de março de 2017

Tony & Susan – Austin Wright e Animais Noturnos

tony susan

“O homem chegou perto o bastante para que Tony sentisse o cheiro de cebola misturado a algo doce e licoroso, sua cara na mesma altura do rosto de Tony, e, embora fosse magro, Tony sabia que o homem podia destruí-lo. Deu um passo para trás, mas o homem diminuiu o espaço entre os dois. É a diferença de idade, disse Tony para si mesmo, sem acrescentar que desde os tempos de garoto nunca mais tinha se metido numa briga e mesmo naquela época jamais havia ganhado uma briga. Vivo num mundo diferente, Tony quase falou para si mesmo.”

Austin Wright

É um livro de tamanho médio, que me pareceu bem interessante tanto pela sinopse, quanto pelas indicações que recebi e também por ter uma comentada adaptação ao cinema ano passado.

Pois bem.

O começo realmente é excelente. Tanto que acabei lendo 120 páginas tudo de uma vez em uma noite aí. O problema vem depois.

Acontece que a história começa intensa e vem com vários problemas e uma grande tragédia. O que sobra depois é a essência da história, que não sei dizer se não é boa ou se não foi bem feita.

Vai a sinopse do Skoob mesmo:

Há vinte e cinco anos, Susan Morrow deixou Edward Sheffield, seu primeiro marido. Certo dia, instalada confortavelmente na casa em que mora, com os filhos e o segundo marido, inesperadamente ela recebe, pelo correio, um embrulho que contém o manuscrito do primeiro romance escrito por Edward. Ele lhe pede que leia seu livro: Susan sempre foi sua melhor crítica, justifica. Tony e Susan, de Austin Wright, publicado originalmente nos Estados Unidos em 1993, ganha nova edição, dezoito anos depois de seu lançamento, por se tratar, segundo seus editores, da “mais impressionante obra de arte da ficção americana desde Revolutionary Road, de Richard Yeats”, publicado no Brasil como Foi apenas um sonho.

Ao iniciar a leitura, Susan é arrastada para dentro da vida do personagem Tony Hastings, um professor de matemática que leva a família de carro para a casa de veraneio no Maine. Quando a vida comum e civilizada dos Hastings é desviada de seu curso de forma violenta e desastrosa, Susan se vê novamente às voltas com seu passado, obrigada a encarar a própria escuridão e a dar um nome para o medo que corrói seu futuro e que vai mudar sua vida.

O livro é dividido em duas partes que se alternam: a história de Susan e a história que ela lê, chamada Animais Noturnos, protagonizada por Tony.

A parte de Susan é simplesmente desinteressante. Ela até faz boas reflexões sobre seu passado e traça paralelos com sua vida e o que interpreta nas entrelinhas no livro de Edward. Mas tudo aquilo leva páginas e páginas de descrição, com um ritmo que nos perde.

Já Animais Noturnos fala basicamente sobre esse homem, Tony, que não confronta ninguém, está acostumado a fazer aquilo que lhe pedem. Ele é travado pela falta de coragem, pelo receio de cometer erros e pelo medo de não ser aceito.

A primeira parte de Animais Noturnos é perturbadora, porque retrata com frieza e de um jeito cru a violência humana, principalmente sob o aspecto psicológico. O domínio mental que Ray exerce em Tony é incômodo. Ao mesmo tempo, nos colocamos no lugar dele.

Depois disso a história se arrasta e depois de um bom tempo você entende para onde ela vai caminhar, mas leva muitas páginas e, novamente, muitas descrições inúteis para encher linguiça.

O final do livro chegou a me dar raiva. O diálogo final de Ray e Tony parece infantil de tão imbecil. Não dá. Além disso, me parecia óbvio o que aconteceria. E aconteceu.

No final, não foi a melhor experiência do mundo para mim, mas gosto varia e para outras pessoas pode funcionar como um bom livro.

Agora, vamos ao filme:

Animais Noturnos

animais noturnosFilme: Animais Noturnos (Nocturnal Animals)
Nota: 6,5
Elenco: Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Laura Linney, Michael Sheen e mais trocentas pessoas avulsas.
Ano: 2016
Direção: Tom Ford

Complicado esse filme, viu.

Se eu já não achei o livro lá essas coisas, o filme teria que aproveitar o que tem de bom em recursos para compensar. Mas achei que tentou demais e acabou cagando com tudo.

A cena inicial, com aquela mulher nua já foi desnecessária e eu não consegui enxergar de onde aquilo poderia ter utilidade. Me pareceu mesmo que foi apenas para chocar.

Há diversas alterações na história, principalmente na de Susan. Ficou claro que quem adaptou essa história para o cinema achou que essa parte sem graça e vazia no livro. De fato é, mas esse vácuo foi preenchido de forma muito superficial.

Esse filme tem cenários lindos, pessoas com cara até de futurísticas e me pareceu que tudo custou uma fortuna. Mas focaram demais na parte estética e o conteúdo mesmo, que mais me interessava, ficou desconexo.

O lado de Animais Noturnos em si, com o Tony, estava um pouco melhor, porque foi mais fiel. Eu achava que me sentiria mal com a cena inicial na estrada e de fato isso aconteceu. Toda aquela tensão, aquele sofrimento e maldade não podem ser vistos em um dia que você não esteja especialmente preparado para isso.

Se a cena final do livro, no embate entre Tony e Ray me irritou, nesse filme me deixou indignado. Que atuação foi aquela do Jake Gyllenhaal? Foi a pior dele que eu já vi, de longe. Era mecânico, com uns gritos esquisitos e não passavam nenhuma emoção, embora ele fizesse muitas caretas.

Eu respeito quem viu genialidade nesse filme, porque muitos viram. Mas para mim não funcionou. Aliás, o combo livro+filme não é o que mais me ganhou não.

Vamo que vamo.

FDL